terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Vida / Morte / Vida / Morte / Vida...



Tudo é um ciclo. O ciclo das estações do ano, o ciclo do sono e da vigília, o ciclo do nascimento e da morte...
Morrerei, sim. Mas morte é sinónimo de "fim"? Provavelmente, é!
Mas não será um ciclo? Fim e Princípio não serão duas pontas que se ligam, que se unem?

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Cântico Negro


«Vem por aqui» - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: «vem por aqui»!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Porque me repetis: «vem por aqui»?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veis, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.

Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah! Que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: «vem por aqui»!

A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se levantou,
É um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou.

- Sei que não vou por aí!


José Régio

Poemas de Deus e do Diabo