quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Dois dias


Há dois dias que não falo com a minha sobrinha. Adoro-a, mas descansei. Ela não vê nenhuma luz ao fundo do túnel. Tal, como eu, há anos atrás. Devo ter mudado de lentes, entretanto...

Claro que sendo bipolar, apesar da medicação, apesar do médico, e tendo mais tendência para a depressão do que para a mania, tenho muito dias em que não vejo nada. Acho que ela também é bipolar (it runs in the family).

Ela, a minha sobrinha, é quase da minha idade (os meus pais distrairam-se e eu nasci já bem tarde), tinha um casamento aparentemente sólido (não serão tudo aparências?)... e resolveu ir passar uns meses a Goa. Doeu-me imenso, mas só podia entendê-la e apoiá-la! E fiz tudo o que podia. As notícias que lhe mandei daqui eram sempre as mais banais, apesar da minha mãe estar a morrer. Não! Não sou a boazinha! Até sou egoísta! Fiz tudo isto porque me sentia bem comigo própria ao fazê-lo, só isso! EU SENTIA-ME BEM! Consequentemente, ela também, mas poupei-a a todas as dores deste lado do mundo porque, sabendo-a bem, EU estava bem.

Agora ela voltou. Quem lhe deu a noticia da morte da avó (minha mãe) fui eu, claro! Ninguém nesta família tem coragem para dar notícias deste género. Ela... ela não me deu um abraço, não deitou uma lágrima... Mas isso é algo que não não está na sua natureza, eu entendo.

Mas todos os dias voltava à mesma conversa: o amor dela não abandona a família para ficar com ela. Então ela bebe desalmadamente, diz que ele não sai porque é ela que não presta... E, sem mais nem menos, sem aviso prévio, começa a falar em suicídio!

Passei-me! Chamei-lhe tudo: egoísta...

O que é giro (se é que tem alguma graça) é que eu já fiz tudo isto. Também bebi este mundo e o outro, também a minha auto-estima ficou abaixo de zero, andei com um homem durante nove anos que também não saía de casa por mim... E também me tentei suicidar várias vezes. Ela nunca esteve ao meu lado.

A minha Amiga esteve ao meu lado. Assistiu e ajudou-me numa das tentativas de suicídio, mas também chegou o dia em que já não aguentou mais. A dor de ver-me assim, a frustração de tantas tentativas goradas para me ajudar, esgotaram-na. E afastou-se para a sua própria sobrevivência.

Agora sou eu que passo por tudo aquilo que a minha Amiga passou. E a minha sobrinha, que nunca me ligou, que me evitava, está a passar por tudo o que passei.

Bolas, a Vida anda mesmo em círculos... E há tantos milagres a que não ligamos! Estas flores são um milagre!

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Dormir, sono, sonhos

Ontem ainda tentei ir dormir para a cama. Cama que era dele e da primeira mulher. Se, no início, dormia, porque deixei de dormir? Não sei. Acho que devo ter dormido ali porque, quando vim viver para aqui, estava demasiado frágil depois do acidente. Frágil física e psicologicamente.
Agora, três anos passados, a fragilidade já não é tanta. Ou será, não sei. Sei que já não consigo dormir ali. Fico na sala, no sofá da sala, à espera de ver uma série, depois outra e outra... até que adormeço mesmo aqui.
O sono cai-me em cima. Aqui, no sofá, não há aquele intervalo aterrador entre o deitar a cabeça na almofada e o momento em que adormeço mesmo. Desse intervalo, tenho pavor desde criança. E não consegui ainda descobrir porquê, nem depois destes quase três anos de BOA psicoterapia.
O meu pai morreu há onze anos. Foi o momento horribilis da minha vida. Sou baixinha, mas emagrecer para 40 kg, tendo em conta o que meço, foi mesmo muito pouco peso. E nunca, nunca sonhei com ele. A única coisa que aconteceu foi sentir o cheiro dele passados uns dias.
Agora, que a minha mãe morreu há três semanas, já sonhei duas vezes com os dois. Aqui, neste sofá da sala onde durmo. É estranho para mim, mas o meu pai aparece muito mais nítido que a minha mãe. Pensei, com a lógica do lado de cá, que ele já estaria muito mais distante desta dimensão e que a minha mãe, cuja partida foi há tão pouco tempo, ainda estaria perto.
Nos sonhos, nos meus sonhos, eles estão bem. Será que é um desejo meu? Será que é a realidade deles? Uma senhora que sabe de tarot tirou as cartas para saber como estava a minha mãe. Primeiro, parece que tenho um anjo que me protege. A senhora diz que é a minha mãe, mas eu não sinto que seja ela. Já sinto esse "anjo" há muito tempo. Mesmo antes do meu pai partir.
Mas disse que ela estava num mundo de magia! Imaginei-a logo a descobrir coisas que a fazem sorrir, e que ela sempre achou serem impossíveis. É que ela era católica porque tinha que ser "conforme" à sociedade. No fim, o medo atacou-a de forma avassaladora.
Espero mesmo que tenha descoberto magia!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Consequências

Ainda é dia 28, sim. Pelo menos acho que sim, porque a hora não está certa e a minha Pessoa ainda não me ensinou a acertar isso. E o tempo, o nosso tempo profano, será importante? Não me parece... Aliás, que me desculpe quem por acaso me lê, para mim não é importante.
Acabei de jantar. E, para variar, falei, falei, falei... Não se pode confundir falar com conversar. O meu marido ali sentado, parecia um gato à coca, à espera do momento certo de apanhar a presa. E eu sou presa fácil. Tão fácil! Eu digo tudo. E ele diz sempre que, cada vez que venho do médico, venho pior. Mas não é deste médico.
Pois! Há anos que ando de médico em médico e ele diz sempre o mesmo: Vens pior!
E venho. Pior para ele. Porque choro, porque, diz ele, tomo iniciativas e depois não sei viver com as consequências.
Eu tomo as iniciativas porque mais ninguém o faz. Ficam todos a olhar, no vazio... Parecem tontos. Não saber viver com as consequências é porque choro. A atitude "digna", segundo ele, é não demonstrar nenhum sentimento, ser muito british. Eu não sou nem consigo ser assim. Eu pego o touro pelos cornos e depois choro, choro, choro.
Ter em conta a forma pode ser importante, mas ter em conta SÓ a forma... O conteúdo fica onde?
A consequência da minha força e determinação é o choro do peso do que decidi. E?????
Tenho que falar mais do meu marido, porque assim parece um monstro. E não é.

Bipolar

Cheguei há pouco do médico. Do psiquiatra, claro. Talvez começando assim pensem que sou louca varrida. Sinceramente, isso pouco me importa. Até porque sim, sou louca, mas não varrida. Com grande pena minha, não consigo varrer os meus fantasmas, as minhas dores, nem esta estúpida solidão que me sufoca.
Se estou sempre assim? Claro que não! A medicação ajuda, o psicoterapeuta também, e não é pouco.
A minha mãe morreu há três semanas. Estava num sofrimento horrível e a minha insistência feroz numa injecção de morfina apressou-lhe o fim previsível, mas que assim foi tranquilo. Toda a gente me diz que assim foi melhor, que ela já não sofre, patati, patata... O discurso racional do costume. E eu não discordo! Pois se até fui eu quem insistiu na morfina!
Mas se é um facto que a minha mãe já não sofre, que já não tem problemas (pelo menos os desta dimensão), a minha perda não é colmatada com esse raciocínio lógico.
Vou ter que a "varrer", eu, sozinha, apoiada no médico e nos medicamentos.
Neste caso, como gostaria de ser louca já varrida.